Se você vem do mundo da nutrição esportiva, talvez já conheça a creatina. Mas conheço o papel dela na fertilidade e gestação? Calma! Não estou dizendo para todo mundo suplementar creatina para ter bebês saudáveis, viu?
No post de hoje quero te explicar sobre como a creatina pode ser muito útil nestas fases da vida, seja pela alimentação ou (quando indicado) pela suplementação.
Carne: um alimento campeão para fertilidade
Aminoácidos são pecinhas que formam proteínas no nosso corpo e nos alimentos. Alguns aminoácidos especificamente tem papéis importantes na nossa fertilidade como lisina, taurina, glicina, L-carnitina e creatina. Todos estes aminoácidos são encontrados em alimentos de origem animal: em plantas, estes aminoácidos não são encontrados ou estão em quantidades insuficientes.
Não é a toa que os nossos ancestrais consideravam a "comida para fertilidade" como sendo comida de origem animal com foco em carnes, ovos (inclusive ovas de peixes), vísceras, peixes, laticínios integrais e frutos do mar. Estes alimentos são densos em nutrientes vitais para a boa fertilidade como vitamina A, B12, ferro, zinco, ômega-3 e mais! Nossos ancestrais comiam o animal inteiro, incluindo as vísceras e ossos (que eram transformados em caldo) e assim aproveitavam os nutrientes do animal de forma íntegra. Frutas e vegetais também compunham a dieta deles, claro: quando estavam disponíveis dependendo da região em que moravam e da época do ano em que estavam.
A dieta ocidental moderna substituiu o consumo de alimentos integrais de origem animal por uma quantidade exorbitante de carboidratos refinados na forma de farinhas e amidos (seja de trigo, de milho, de mandioca) e açúcar. Essa troca somada a diversas outras alterações no estilo de vida nos colocaram em uma posição difícil. Temos um número crescente de obesidade, doenças crônicas e infertilidade.
Doenças como pré-eclâmpsia e diabetes gestacional e condições como restrição de crescimento intra-uterino estão cada vez mais comuns e isso é reflexo das nossas escolhas de estilo de vida.
Fiz questão de despertar estas questões e contextualizar a creatina para que você entenda que a solução não é "suplementar e pronto". A solução é voltar a comer uma alimentação adequada para a nossa espécie, que inclui naturalmente diversas fontes ricas em creatina!
De volta à creatina
A creatina é um aminoácido importante para tecidos de alta demanda energética. Isso inclui tecidos reprodutivos (tanto em mulheres quanto em homens) e também cérebro e músculos. Estes tecidos dependem da creatina para "reciclar" ATP (adenosina trifosfato) para produzir energia!
O útero tem uma demanda energética aumentada em fases específicas como ovulação e gravidez percebemos que o metabolismo da creatina fica ainda mais ativo. A creatina tem papéis específicos na:
ovulação;
implantação (alterando a receptividade uterina)
função placentária;
desenvolvimento fetal.
Em homens, a creatina contribui na motilidade do espermatozóide. Estudos também apontam que ela pode "aumentar a capacidade de fertilizar do espermatozóide".
Estudos recentes também mostraram que a creatina pode ser protetora do cérebro do feto contra lesões (incluindo paralisia cerebral).
Além disso, o consumo de creatina é uma forma de evitar e tratar a restrição de crescimento intrauterino (RIU). Algumas gestações tem como complicação a má circulação no cordão umbilical e/ou a má placentação, que pode inclusive estar associadas a pré-eclâmpsia ou simplesmente a uma má formação da placenta nas primeiras semanas da gravidez. Nestas situações, o bebê não recebe nutrientes e oxigênio suficientes pela placenta e cordão e acaba não atingindo seu potencial de crescimento.
Quando há restrição de crescimento, a nutrição pode ser uma excelente ferramenta que ajuda, em muitos casos, a reverter este quadro colocando o bebê em um padrão de crescimento mais saudável.
A creatina faz parte da reciclagem de energia em ambientes sem oxigênio (hipóxia). Lembra que eu falei da transferência ruim de nutrientes e oxigênio para o bebê em RIU? Então, este bebê está em situação de hipóxia. A creatina pode ajudar a fornecer energia ao bebê mesmo nessa situação, fazendo com que ele volte a crescer e ganhar peso. É claro que essa é apenas uma das estratégias, outras suplementação e ajustes na dieta também precisam ser feitos. Mas as mamães precisam saber de suas opções (até mesmo para "testar" se o profissional de saúde que as atende está atualizado).
Como consumir creatina?
Conseguimos creatina por meio da dieta e também por produção endógena, ou seja, do próprio corpo. As melhores fontes alimentares de creatina são carne vermelha e frutos do mar, mas ela também está presente em porco, cordeiro, frango, coelho e outras carnes animais.
Será que consumimos o suficiente? Um estudo de 2021 nos EUA constatou que 43% dos americanos tinham um consumo diário de creatina abaixo do recomendado, que é de 1g por dia.
E o estudo diz: "o baixo consumo de creatina pode ter papel etiológico (ou seja, causador) nas cada vez mais prevalentes doenças crônicas" e sugere que políticas públicas promovam padrões alimentares com comidas ricas em creatina e até mesmo sugira a suplementação ou fortificação de alimentos para a população geral.
E os vegetarianos?
Cerca de metade da creatina que utilizamos vem da produção endógena. Mas atenção: para produzir a creatina, o corpo utiliza outros aminoácidos como arginina, metionina e glicina além de nutrientes como vitamina B12, colina, folato e triptofano. Adivinha quais são as melhore fontes de glicina, colina e arginina? Proteínas de origem animal! Sem falar que vitamina B12 é encontrada exclusivamente em alimentos de origem animal.
Estudo mostra que "a ingestão de dietas vegetarianas está associada a níveis séricos e musculares de creatina diminuídos, o que pode indicar uma síntese insuficiente de creatina. Não é surpresa que vegetarianos tem níveis mais baixos de creatina quando comparados a onívoros.
Suplementar é a solução?
O melhor jeito de consumir creatina é diretamente das suas fontes naturais já que elas também estão associadas a outros aminoácidos, vitaminas e minerais importantíssimos. Consumir mais proteínas de origem animal do rabo ao focinho é uma das melhores formas de melhorar nossa saúde com uma rica variedade e densidade de nutrientes.
No entanto, a creatina suplementar pode ser muito útil em situações específicas:
quando não há a possibilidade de comer mais carnes.
quando há vegetarianismo.
quando há uma necessidade aumentada como na gestação com restrição de crescimento intrauterino.
outras situações como prevenção de danos cerebrais em adultos, tratamos de demências, etc.
Um bom profissional de saúde atualizado e interessado no alcance do seu potencial poderá te orientar especificamente! Se você é gestante ou tentante, ficarei feliz em te ajudar no consultório ou por meio do nosso programa Mamãe Leve.
Referências
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Todas as nutricionistas que fui nao quiseram suplementar creatina por dizerem nao haver estudos suficientes sobre a segurança do uso na gestação. Eu pratico musculacao e sempre tomei whey e creativa. Na gestação continuei tomando apenas whey.. e desde q ela nasceu tbm n encontrei nutri que recomendasse o uso por eu amamentar… é seguro a lactante tomar?